Crónica de Alexandre Honrado | Urbano Tavares Rodrigues

Urbano Tavares Rodrigues
Aqui tão perto

Estava aqui a ler Urbano Tavares Rodrigues.

Sempre o tive em grande estima e ele deu-me duas ou três provas de que eu não lhe era completamente indiferente.

Tenho livros dele com dedicatórias únicas, dessas que não se fazem a correr diante da fila dos leitores da Feira do Livro, alguns entregues em mão entre conversas fortes e críticas ágeis, eu a aprender a desdobrar-me e ele como as bandeiras ao vento.

Tão forte era ele, e todavia tão semelhante aos pássaros e a outras palavras que não pesam.

Uma vez, o filho dele, o mais novo que andará agora perto dos doze anos – o António Urbano, filho do segundo casamento com a psiquiatra Ana Maria e que teria uns sete quando o pai partiu – disse-me com garra: o meu pai sim, é um Escritor! E eu fiz coro com ele. Sim, digno desse nome.

(Tanto quanto sei, o Urbano deixou uma carta ao filho, para ser aberta aos dez anos de idade. Talvez lhe tivesse dito que o Mundo lhe pertence. Ou coisa sinónima.)

Antes da leitura, estava eu a ver um noticiário televisivo com traumas da nossa época: destruição, medo, frio e assédio, muito assédio escondido e outro, pior, escancarado e subliminar que nada tem de sexual mas que formata o mundo das comunicações estranhamente sociais.

Foi o Urbano quem me salvou  – já o fizera várias vezes noutras épocas, contexto e lugares culturais – e desliguei o noticiário e a sua ânsia de conquistar audiências.

Salta-me então uma frase do livro e agarro-me a ela.

“O predicado humano de determinar-se, de escolher (o próprio destino ou um simples gomo de laranja, uma castanha madura, a mulher para um momento ou para toda a vida), apouca-se ante as forças da natureza roladas pelo tempo”.

A frase pesa, fora do contexto e dentro dele. Adianta o tema da interdependência universal e da escolha livre. Mesmo nos momentos de repressão há escolhas livres, porque o pensamento fere-se mas sobrevive na força que o sustém.

Estava eu a ler o Urbano Tavares Rodrigues e a misturar pensamentos, afinal é para isso que servem as leituras. Vontade e resignação da vontade, lê-se na mesma página. Os nossos olhos e as monstruosidade que vemos, mesmo de olhos fechados.

É assim o dia que me ocorre, agora, texto grato ao outro texto.

Alguém passa por mim e espreita a capa do livro que, entretanto pousei na esplanada do café onde escrevo sob o olhar policial de um empregado.

Quem espreita a capa, não conhece o Autor. Mas se fosse vivo este Autor conhecia-o, explico eu, sem chegar a explicações mais extensas.

 

Alexandre Honrado
Historiador

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